Como foi a chegada do Grupo Jerónimo Martins à Colômbia?
A Colômbia tem um território e uma geografia muito específicos. Há uma grande parte que é selva praticamente inabitada. Depois, pouco mais de um terço do país tem concentrados os mais de 50 milhões de habitantes. Quando considerámos chegar à Colômbia, olhámos para essa parte onde existe maior densidade populacional. Nesse aspeto, estaremos a cerca de 30 por cento do nosso potencial.
O nosso objetivo é estar em cada bairro para servir as populações. Somos uma loja de bairro mais organizada e mais moderna do que as tradicionais lojas de bairro na Colômbia, que ainda são onde a larga maioria das famílias colombianas realiza as suas compras alimentares.
Como é estar à frente de um projeto como este?
Em 2021, vim para a Colômbia com a missão de expandir o negócio, o que muito me alegrou e continua a alegrar. É, realmente, um desafio novo, num país novo, com uma cultura diferente, mas que associo muito à experiência na Polónia – que adorei.
Apesar de serem geografias e contextos muito diferentes, houve lições que trouxe da Polónia para a Colômbia?
As lições vêm sempre connosco. A experiência não é só a que trazemos como também aquela que continua a ser desenvolvida. Com a movimentação das pessoas do Grupo nas diferentes geografias, temos sempre a possibilidade de ajustar de modo rápido e eficaz localmente. Essa experiência viaja connosco.
Expansão: “Estamos a cerca
de 30 por cento do nosso potencial”
Apesar de a Ara ter apenas 10 anos, que balanço já é possível fazer da evolução do negócio?
Temos de estar felizes. Como o sr. Pedro Soares dos Santos costuma dizer, “nós não exportamos marcas nem conceitos, exportamos experiência e know-how”. Vir para a Colômbia, um país completamente distinto de Portugal e da Polónia, e para um continente também completamente distinto na sua história e cultura – temos de vir de mente aberta.
Os colegas pioneiros que vieram há dez anos tiveram a missão, talvez a mais difícil, de desenhar não só uma marca, mas um conceito de negócio que se ajustasse aos hábitos, à cultura e às necessidades do consumidor colombiano na altura e no que se perspetivava como evolução da sociedade colombiana. É uma fase em que se experimenta, ajusta-se, refaz-se e volta-se a experimentar. Esses tempos iniciais foram naturalmente mais lentos. Já cheguei numa fase em que esse conceito estava desenvolvido e alicerçado.
“A paixão que temos pelo negócio quando se cruza
com esta dinâmica que estamos a viver na Colômbia,
são tempos profissionais que só podemos considerar felizes.”
Atualmente, qual é a missão?
Dentro da minha missão, um dos aspetos foi dar velocidade ao desenvolvimento da Ara. Entrar em mais regiões, em mais bairros e aumentar a velocidade de expansão. Nos últimos dois anos e meio abrimos quase o dobro das lojas dos sete anos anteriores e crescemos nas vendas. A equipa está orgulhosa e feliz por estar a viver este momento.
A paixão que temos pelo negócio cruza-se com esta dinâmica que estamos a viver na Colômbia, o que nos leva a vivenciar tempos profissionais que só podemos considerar felizes. Temos de nos considerar uns privilegiados. Isso leva a que o balanço seja extremamente positivo. A velocidade, a dinâmica… estar num negócio ainda em crescimento, tudo isso nos entusiasma e nos faz sentir empolgados.
Por falar em velocidade, como se consegue esta meta extraordinária de abrir quase 300 lojas num ano?
O ano passado abrimos 275 lojas e este ano prevemos abrir 230. É muito esforço, muita gente envolvida com um grande sentido de compromisso, acreditando sempre que é possível. É verdade que estivemos a abrir lojas até ao último dia do ano. Visitei lojas no dia 30 de dezembro e pensei que seria impossível abri-las no dia seguinte. Mas abriram com dignidade.
Muitas dessas lojas abriram por verdadeiros milagres que as pessoas que estão na operação das lojas e na logística fazem acontecer.
Quais são os principais desafios da operação na Colômbia?
Em termos de negócio, o nosso objetivo é povoar a Colômbia com lojas da Ara. E para isso é fundamental entrar nos bairros, termos boas localizações para realmente termos impacto na população – e isso é um grande desafio.
Depois, a morfologia do território é também um desafio muito grande. Parte da selva está desabitada, mas a parte habitada tem três grandes cordilheiras que são barreiras naturais. Muitas vezes, cidades que estão em pontos opostos de uma cordilheira, embora distem 50 ou 60 km, podem significar 9 a 10 horas de caminho. É um desafio para a logística, para a construção e localização de armazéns, para gerir tempos e custos de transporte. Praticamente não há autoestradas na Colômbia.
“Muitas vezes, cidades que estão em pontos opostos de uma cordilheira, embora distem 50 ou 60 km, podem significar 9 a 10 horas de caminho.”
Estamos em igualdade de circunstâncias com outros players, portanto não é uma queixa, é a constatação de uma característica que temos de entender, para ajustarmos e operarmos de forma mais eficiente do que os outros.
Além da distância, e como acontece em qualquer outra empresa do Grupo, o desafio é: vendas, vendas, vendas. Temos de crescer, ganhar quota de mercado e chegar a mais consumidores.
Na Colômbia a população é mais desfavorecida, mais pobre do que aquilo que estamos habituados nas outras geografias. O mix de consumos é muito diferente, os produtos chamados básicos têm uma preponderância muito elevada, e isso gera alguns desequilíbrios face aos negócios que temos noutras geografias.
De que forma esses desequilíbrios impactam no negócio da Ara?
É fundamental que uma classe média possa emergir na Colômbia, assim como aconteceu em Portugal e na Polónia em anos passados. A Colômbia é único país da América do Sul que nunca teve um default e que sempre cumpriu com as suas obrigações de dívida. Cremos que neste continente a Colômbia continua a ser um dos países mais bem posicionados para absorver investimento e desenvolvimento. O respeito pelas instituições existe e isso são caraterísticas que levam a que os investidores apostem no país.
“É fundamental que uma classe média possa emergir na Colômbia, assim como aconteceu em Portugal e na Polónia em anos passados.”
E em termos de disponibilidade de produtos?
Nestes últimos dois anos, um pouco por todo o mundo – devido à guerra na Ucrânia, aos aumentos dos custos das matérias-primas, à inflação, mas também porque a Colômbia tem necessidade de importar muitas matérias-primas – há menos produção para a procura dos vários agentes económicos.
A consequência deste desafio é haver quem tenha a vontade e a capacidade de investir na produção, porque isto significa depois maior disponibilidade de produtos, criação de emprego e ajudar-se ao desenvolvimento de um país.
Numa perspetiva mais social, a imprevisibilidade e a insegurança são temas na Colômbia, o que também está associado aos níveis de desenvolvimento. São caraterísticas que temos de entender, abraçar, e com as quais temos de trabalhar – é uma questão de nos ajustarmos.
Depois diria que um dos mais importantes desafios da operação na Colômbia será conseguir gerar o retorno para o acionista, que acredita neste país e nesta equipa há dez anos, e essa é uma obrigação desta equipa de gestão.
“O ano passado abrimos 275 lojas este ano prevemos abrir 230. É muito esforço, muita gente e muito compromisso e acreditar que isso é possível.”
Quais são os principais objetivos da Ara para os próximos anos?
Todos estes desafios podem e devem materializar-se em objetivos, mas se quisermos resumir, centrar-me-ia em dois objetivos macro.
Primeiro, termos um reconhecimento generalizado como ator principal na modernização do acesso à alimentação segura, de qualidade e acessível. A visão que temos é democratizar o acesso a alimentação saudável e segura e é ter esse reconhecimento do consumidor.
Isto irá contribuir para aquele que é o segundo objetivo: ser líder de mercado na Colômbia, como somos na Polónia e em Portugal.
Estamos num caminho de convergência e de diminuição das diferenças para a concorrência que ainda vende mais do que nós.
O que tem gostado mais nesta experiência na Colômbia tanto ao nível profissional como pessoal?
Eu sou como todos os portugueses, gosto muito do meu país. Considero Portugal um dos melhores países do mundo.
Agora, a Colômbia tem uma dinâmica, uma velocidade, um desenvolvimento que em Portugal não acontece – e isso é algo que adoro na Colômbia.
É gente muito jovem, alegre, colorida, com “salero”, ritmo, sempre pronta para celebrar. São pessoas muito amáveis, simpáticas e sempre gratas. É importante sentir este envolvimento. Não só os portugueses, mas os estrangeiros em geral são muito bem-vindos à Colômbia.
A Colômbia tem uma diversidade enorme que permite quase todo o tipo de experiências. Uma costa enorme, um interior rico e paisagens lindíssimas.
“Quando abrimos uma loja, especialmente em bairros de interior, as pessoas vêm agradecer-nos.”
É igualmente uma experiência rejuvenescedora, nomeadamente para mim que já vou numa idade avançada (risos), estar novamente num país diferente. Quando estamos num país novo, temos de pensar que as pessoas têm comportamentos e atitudes diferentes e tudo isso acaba por nos obrigar a termos uma perspetiva muito aberta. Escutar e ouvir aquilo que é a experiência, as perspetivas dos nossos colegas que vivem nesta cultura e que são desta cultura. Toda esta dinâmica é algo muito gratificante e que nos entusiasma de uma maneira mais intensa.
Quais são as principais diferenças entre o consumidor português e polaco e os colombianos?
O consumidor colombiano tem muito a ver com aquilo que são as caraterísticas do povo. É muito mais alegre, colorido e sempre pronto para celebrar. Apesar de sentir mais dificuldades materiais no dia a dia, é mais despreocupado com o futuro. É um consumidor onde os níveis e os padrões de consumo revelam maiores desigualdades e são completamente diferentes dos nossos. Não há uma classe média expressiva.
Quando abrimos uma loja, especialmente em bairros no interior do país, as pessoas vêm agradecer-nos. É algo de facto importante porque vai permitir o acesso a produtos de qualidade e mais económicos, que não teriam se não entrássemos nessa economia local e obrigássemos todos os outros operadores a ajustarem. Isso surpreende-nos também de uma forma muito positiva.
A proximidade com o consumidor é mais visível e expressiva do que na Europa. E quando contactamos com pessoas mais despreocupadas, mais alegres, mais jovens, isso acaba por trazer um sentimento também mais positivo, alegre e motivador.
“No interior do país, um gerente da Ara tem um rendimento e uma posição social mais importante do que um presidente da câmara daquela região.”
E quais são as diferenças entre o colaborador português e polaco e o colombiano?
O comprometimento e a cultura Jerónimo Martins estão muito enraizados ao fim de dez anos, e o facto de termos também trainees e expatriados que voltam, ajuda a que haja uma grande convergência entre aquele que é o espírito do colaborador e a cultura Jerónimo Martins, sendo que esta será sempre impactada pela cultura e pelos hábitos do povo.
Além do maior otimismo, é um colaborador igualmente comprometido, que veste a camisola como vestem os portugueses e os polacos.
Há uma caraterística que me parte o coração, que tem a ver com as desigualdades, com a percentagem de pessoas que tem uma vida menos fácil do que na Europa. Os nossos colaboradores são muito reconhecidos pelas oportunidades. Uma colega dizia-nos que abençoava o Grupo, porque era o patrocinador de projetos de vida familiares. O facto de ter tido esta oportunidade de trabalhar, significa que tudo mudou para ela e para a sua família, com maior segurança e perspetivas de futuro.
O que é dito é tão genuíno e natural que nos deixa emocionados. Outro colaborador dizia-nos que era a primeira pessoa da família a ter um trabalho formal, a estar inscrito na Segurança Social e com perspetivas de vir a ter uma pensão. Que era o orgulho da família. Outro dizia-me que era a primeira a pessoa da família a ter uma carteira profissional, ou seja, uma profissão definida. Atingir a função de manager, por exemplo, tem um impacto imensurável na vida dessa pessoa.
“Os nossos colaboradores são muito reconhecidos pelas oportunidades. O que é dito é tão genuíno e natural que nos deixa emocionados.”
Um district manager explicava-me, numa viagem a uma loja do interior, que tínhamos um papel fundamental na região. O gerente da nossa loja tinha um rendimento e uma posição social mais importante do que o presidente da câmara local.
Só posto nestes termos é que percebemos a relevância e a importância nas pessoas e nas famílias dos colaboradores do muito que estamos a fazer e a construir.
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